
No domingo, 14 de abril de 2024, a iLocal realizou as Conversas sobre a Caça.
É sempre oportuno reunir pessoas para debater assuntos que são eminentemente “rurais”, embora aparentem ser também tema crescente nos meios mais urbanos. É também muito importante que os agentes diretamente envolvidos (caçadores, autoridade) e os que indiretamente são afetados (agricultores, turistas e outros utentes da paisagem rural) possam ter voz ativa neste tema tão sensível e dar contributos que vão para além da sua própria sensibilidade.
– Paulo Cortez, dinamizador da conversa.
Um grupo pequeno de 11 pessoas entre caçadores, académicos e cidadãos interessados, conversaram, livremente, ao longo de cerca de duas horas sobre a temática da caça ao javali. Uma conversa aberta e descontraída.
Foi solicitado que o debate se organizasse na longo de eixos de pares opostos, sendo lembrado que entre as posições opostas existe um contínuo de posições intermédias que podem ser assumidas, evitando extremismos de posições que geralmente levam ao impasse. O primeiro desses pares opostos foi perguntar aos participantes se eles se colocavam mais do paradigma do Humano fora da Natureza (fora no sentido de especial) ou pelo contrário o Humano como mais um elemento da Natureza.
Do lado dos defensores da caça ao javali foram apresentados argumentos como: a qualidade da carne; o controlo das populações de javali que, quando em excesso, conduzem a prejuízos para as culturas, acidentes automóveis entre outros problemas; o facto da própria caça ser uma forma rápida de abater o animal sem grande sofrimento, mais digna que, por exemplo, o abate industrial dos animais. Foi ainda realçada a sua contribuição para a economia local como o turismo e valor gastronómico.
Do lado dos não defensores da caça ao javali ou caça em geral foi argumentado que a solução da caça ao javali não pode ser sustentada por argumentos do controlo (ou gestão) das populações de javali, pois controlar uma espécie não significa exatamente alcançar a reposição e equilíbrio dos ecossistemas. Este é mais complexo e exige uma atenção e práticas respeitadoras de todos os elementos do ecossistema natural. Também foi argumentado que nem sempre a carne de animais bravios é de melhor qualidade e também que nem sempre a morte dos animais ocorre de forma limpa e sem sofrimento.
Nesta altura do debate também foi aflorado o tema da posse de armas de fogo poder estar ligada a usos indevidos das mesmas. Foi contraposto que existe um rigoroso controle sobre a legalização das armas que praticamente anula este problema. Ou seja, o uso de uma arma de caça num crime não significa que a culpa possa ser atribuída à caça ou aos caçadores.
“O javali faz o que pode para viver”. Esta foi, talvez, a ideia mais inspiradora que alimentou a conversa sobre a caça ao javali. De facto, o javali faz o que pode para viver e perpetuar a sua existência. Mas, afinal não fazem o mesmo todas as outras espécies que formam os ecossistemas? A resposta é afirmativa todas as espécies, a humana incluída, “lutam” pela sua perpetuação. Nisso não há distinção entre humanos e não humanos. Onde há distinção é na capacidade de impactar nos ecossistemas. Este momento da conversa levou para a clarificação de outro par de opostos: se o Humano tem o domínio dos ecossistemas, ou se é apenas responsável por eles.


No final foi solicitada uma dinâmica de síntese da conversa. Foi dado um pequeno papel a cada participante para que neles escrevessem apenas uma palavra descritora da aprendizagem com a conversa. Para isso foi solicitado que os mesmos se dirigissem ao exterior e se inspirassem no fabuloso cenário do Vale da Vilariça. Depois vinham em silêncio e deixavam o pedaço de papel no centro da sala, sendo o mesmo fotografado por todos e levado para casa para posterior reflexão.
Desta forma ativou-se o último dos pares de opostos, pois a inspiração veio da contemplação da natureza e o registo pelo recurso a tecnologia dos telemóveis. Vencendo-se ou tirando-se partido de ambos os mundos.
Texto por: Fernando Pereira, moderador da conversa